Seja bem-vindo caro leitor, irei usar essa newsletter como ferramenta para organizar meus pensamentos, e espero que não se incomode, você pode imaginar que eu sou uma jovem perturbada sentada sozinha na praça arborizada falando alto consigo mesmo, mas então você está cheio(a) de sacolas, decide sentar naquele banco ao meu lado, pois é o único sob uma sombra fresca, mesmo estando no inverno, ainda há dias de sol.
Olho para o céu, razoavelmente nublado, o azul vivo intenso me inspira, pensar pode ser uma tortura, mas em alguns casos é esclarecedor, como se estivesse voando diante de memórias que já não são mais ofuscadas por um borrão. Clareza.
Larguei a faculdade de Bacharelado em Biologia, o que era a certeza de um sonho se foi, e o tempo cumpriu seu papel de mudar os que tem certeza da constância. O navio de Teseu ainda é o mesmo depois de tantas mudanças? Mesmo trocando todas as peças, é o mesmo navio? Imergir no mundo das Ciências Biológicas, conheci organismos que eu nem mesmo sabia que existem, e que inicialmente, pensei serem protozoários, mas não — professora Leila advertia — são rotíferos. Paralelamente aos conhecimentos de Biologia, me voltei a política, a experiência universitária só é completa quando o jovem universitário se torna comunista ou anarquista, é o que sempre digo, não há como se iludir na “neutralidade” enquanto estiver numa universidade pública. Valores, os meus mudaram, e hoje não acredito numa ciências exatas e naturais isoladas das ciências humanas e vice-versa, uma ciência complementa a outra, mesmo que o indivíduo trabalhe em um laboratório, ele precisa ter conhecimentos básicos sobre política (afinal, a ciência está diretamente ligada à política), precisa ter estruturas para ter conhecimento crítico — olho para você, cansado com suas sacolas, e observo sua reação à minha última frase — não, eu não falo dessa alienação disfarçada de senso crítico, falo de entender que como os canais de comunicação são usados como ferramenta de alienação, manipulando a população, mantendo o lado nojento da burguesia oculta.
Como eu poderia me tornar uma cientista sem estudar Filosofia da Ciência? Que tipo de profissional não questiona o próprio trabalho? Temo pelos cientistas que meus colegas do curso se tornarão.
Lembro da disciplina de Ética e Legislação do Profissional Biólogo que tive no primeiro semestre. Aulas sobre algumas regras e procedimentos para poder usar animais em pesquisas, questionamentos sobre ética, diferença entre senso comum e ciência, mas ainda assim faltaram questões importantes. Uma grade curricular faltosa em questão de ciências humanas, e o que mais me levava ao estresse era discutir com meus colegas a respeito dessa lacuna e eles falarem que — novamente, sinto a necessidade de investigar sua expressão facial — não precisamos estudar algo que não vai ter uso direto no laboratório ou no campo. Nesses momentos eu sentia meu sangue ferver, apesar de entender que essa criatura apenas não teve acesso a educação que a induzisse a um pensamento crítico, eu não conseguia conter a minha raiva e a vontade de gritar “Você é idiota?!?!”
Com o tempo, perdi a motivação para ir à faculdade, a Biologia não era a mesma de antes, e meu prazer não era mergulhar em quais músculos uma lacraia utiliza para se locomover, meu prazer era questionar o método científico, era estudar sobre como estava acontecendo o sucateamento da educação, ler sobre a Revolução Cubana, desenvolver atividades voltada à militância. Me arrastei, ainda sem entender que existe o caminho de sair do curso, e assim eu atribuía minha infelicidade a diversos fatores, menos ao curso. Será se não estou infeliz porque não tenho uma namorada? E assim ia em busca de alguém, e meu foco era que precisava ser alguém com senso crítico, alguém que enxergasse a mesma doença social que eu. Será se estou infeliz porque não estou lendo algum livro leve? Busquei livros com narrativas simples, mas sentia uma impaciência enorme lendo. Será se preciso trocar de remédios? Bom, essa resposta ainda não tenho, minha consulta com a psiquiatra é segunda-feira. — você, impaciente com tanta enrolação, pega o celular para chegar as mensagens — espera, eu preciso desenvolver minha trajetória, você só irá entender se houver desenvolvimento.
Onde parei? Posso falar sobre como me tornei arrogante desde o segunda semestre de 2024, como acabei me distanciando de experiências puramente satisfatórias, e me senti adoecer conforme o tempo passava. Nenhuma área me atraía especificamente, entrei pensando em Entomologia, mas não gostei de Invertebrados II quando peguei a disciplina, e o encanto foi se perdendo, as notas foram caindo, eu já não conseguia estudar, e quando estudava não conseguia aprender, fui ficando cada vez mais irritada, e as pessoas do próprio curso me irritavam, os professores me irritavam, tudo no curso me irritava. Um dia, depois de uma aula de Genética, pesquisei a grade curricular do curso de Licenciatura em História na UFBR, fiquei com medo de achar chato, mas conforme eu ia pesquisando e entrando em contato com pessoas que fazem cursos de humanas, comecei a sentir inveja delas. Ainda assim, não enxergava que era possível sair de Biologia. — carros passam pela rua à nossa frente, motos buzinam e pessoas transitam. Você levanta e vai embora, é insuportável ouvir um desconhecido desabafar na rua, parece uma pessoa carente sem um gato em casa. Vejo você se afastar, frustrada.
Mas eu continuo falando, e você tem a opção de voltar para ouvir ou sair dali de uma vez por todas, de toda maneira, eu continuo tagarelando.
O professor entregou a prova de Genética, e como suspeitava, minha nota foi baixíssima, todos da sala comemoravam suas boas notas, e eu imediatamente peguei meu celular “inscriçoes para o enem 2025”, o governo adiou a data limite para o encerramento do prazo de inscrição, e isso foi um alívio. Imediatamente me inscrevi. No caminho de casa, comprei canudos, em parte eu desejava matar todas as tartarugas do mundo e dar um fim à Biologia, mas comprei para terminar um trabalho. Chorei muito quando cheguei em casa, e teria terapia em poucas horas, terapia essa que me ajudou a estabelecer uma pergunta principal a ser respondida “A Biologia é para mim?”
Não é.
Chorei por três dias seguidos.
No quarto, decidi que precisava sair para esfriar a cabeça.
No quinto, vim escrever essa newsletter.
Não posso deixar de mencionar a arrogância de certos professores que me pressionavam a ser tão inteligentes quanto eles, para depois perceber que não passam de simples seres humanos que vão virar adubo para o solo, seus corpos serão devorados por vermes, assim como o de todo mundo, assim como o meu, que estava se tornando alguém tão arrogante quanto eles.
Enviei um e-mail a coordenadora do curso tirando algumas dúvidas sobre o trancamento total fora do prazo. E diante de tudo isso, minha mãe disse “Minha filha, existe um jeito para tudo no mundo, menos para a morte”. — levanto do banco, saio andando em direção à sorveteria, amo milkshake de brigadeiro trufado.
É isso,
Beijos e abraço!